domingo, 14 de dezembro de 2008

Desviando uma locomotiva com uma bolinha de ping-pong

Num post anterior falamos de Dom Quixote, um projeto da Agência Espacial Européia para evitar a colisão de um NEO contra a Terra. O projeto é mais sofisticado que o da Fundação B612 já que pretende enviar primeiro uma sonda, Sancho Pança, a estudar o asteróide, de forma a obter informação sobre o melhor lugar onde impactar. Além do mais o projeto é mais sofisticado porque planeja desviar o asteróide de sua rota em direção a um keyhole, um olho da fechadura pelo qual o objeto entraria em ressonância e em um futuro cairia sobre a Terra.

O Grupo de Conceitos Avançados de ESTEC, criador do projeto Dom Quixote, calculou a deflecção impulsiva ótima de Apophis, e achou várias possibilidades para que o pequeno Hidalgo (impactor) de 500 kg de massa, a uma velocidade relativa de entre 7 y 11 km/s seja capaz de desviar o NEO em mais de 4 km e até quase 90 km. Qualquer destas soluções seria suficiente para que Apophis não entre dentro do keyhole em sua passagem próxima em 2029 e assim evitaríamos sua colisão contra a Terra na seguinte aproximação em 2036.

Parece incrível que a colisão de um pequeno objeto de meia tonelada contra um gigante de mais de 20 milhões de toneladas possa causar algum efeito, mas deve se entender que o que se pretende é afasta-lo uma quantidade insignificante de sua trajetória. Esse efeito perturbativo terá, no entanto, conseqüências perceptíveis anos após, porque pouco a pouco terá se afastado da trajetória original. O êxito da missão depende assim da precocidade da operação de deflecção. Se a colisão de Fidalgo com o asteróide acontecesse em 2011, o desvio em 2029 seria de 88 km, outra boa oportunidade é em 2018, consiguindo um desvio total de 57 km. Se a operação se demora até 2028, o desvio será menor que 1 km e por tanto ainda poderia passar dentro do keyhole. Entenda-se porém, que não é só a antecipação o que importa para obter o maior efeito, mas também a forma em que o impacto é realizado.

Em definitiva trata-se de desviar uma locomotiva com uma bolinha de ping pong. Parece impossível e de fato em comentário anterior mostramos por quê os cálculos de Nico Marquardt parecem não ser plausíveis. No entanto trata-se aqui de produzir um câmbio só perceptível 10 o mais anos depois. Enquanto os cálculos de Nico precisam de mudanças mais radicais em escalas de tempo menores e dependem de que a sorte produza uma colisão com máxima transferência de energia. Algo assim como lançar desde o 9no andar um relógio que não funciona e esperar que depois da queda volte a funcionar!! (Dou os créditos desta parábola a Isaac Asimov.)

Como já dissemos anteriormente, ESA y ESTEC estão preparando a missão Dom Quixote com o fim de comprovar a correção dos cálculos e conhecer os problemas técnicos a enfrentar. O importante desta missão é que além de criar uma técnica defensiva, teremos aprendido muito sobre os asteróides que são a fonte de nosso conhecimento sobre a origem do Sistema Solar.

Armagedon

Em 1998 Hollywood decidiu dar atenção para a ameaça de uma colisão contra um asteróide e lançou dois filmes de alto custo de produção, dois blockbusters que deram um grande retorno de bilheteria. Deep Impact dirigida por Mimi Leder e estrelada por um grupo de notáveis dentre os quais estavam Robert Duvall, Vanessa Redgrave e Morgan Freeman e incluia a Frodo Elija Wood foi estreada em maio de 1998. O filme relata a colisão contra um pequeno cometa e como a humanidade intenta reduzir os danos.

Mais espetacular foi Armageddon, lançada em agosto de 1998 e sobre este filme que eu vou a me referir neste post. Armageddon foi dirigida por Michael Bay (The Rock, Pearl harbor) e no rol protagônico tem a Duro de Matar Bruce Willis, o elenco conta ainda com a para mim ainda desconhecida elfa Liv Arwen Tyler vivendo um namoro com Ben Afleck lembrado por sua passagem posterior em Pearl Harbor. O tema musical do filme é I don't want to miss a thing, da banda Aerosmith cujo vocalista é Steven Tyler, pai da Liv. Embora não quero entrar na crítica cinematográfica que não é da minha competência, como espectador posso opinar que o filme é aborrecível, quase insuportável, cheio de lugares comuns, exagerações e um ritmo extenuante que une primeiríssimos planos numa montagem de brevíssimas cenas, diálogos monossilábicos gritados, pessoas correndo sem sentido, chauvinismo norte-americano e uma trama previsível e cheia de situações contraditórias e/ou inverossiméis. Resumindo: Trash!


Por quê dedicar tanto espaço a um filme assim? Porque foi um sucesso e milhares de pessoas assistiram! Como no O dia depois de amanhã uma grande quantidade de pessoas extrairam conclusões a partir de uma trama confusa e evidentemente falsa. Estes filmes formam a opinião de grandes quantidades de pessoas, o que provavelmente criou um inconsciente coletivo. É importante então explicar claramente porquê e onde os filmes estão errados. O argumento de que eles servem para sensibilizar as pessoas é falacioso: uma coisa é sensibilizar, outra é aterrar.

A intriga de Armageddon é simples, um asteróide do tamanho de Texas se aproxima da Terra, e é descoberto quando faltam apenas 18 dias para o impacto. Sem tempo para atuar, os EUA decidem enviar uma missão tripulada para colocar no seu interior uma bomba nuclear que o partirá em dois, os pedaços irão por caminhos ligeiramente opostos, diametralmente separados da Terra, sem toca-la. O grupo que irá perfurar a dura rocha do asteróide é formado pela empresa mais importante de perfurações do mundo, liderada por Bruce Willis e seu genro (Ben Afleck) que serão transportados em uma versão mais moderna e poderosa do Space Shuttle.

Vejamos um pouco os problemas do filme. Um asteróide do tamanho de Texas ( ~ 1000 km) é um planeta anão segundo a nova classificação da IAU. Ceres, por exemplo, é o primeiro membro do Cinturão de Asteróides (entre Marte y Júpiter) a ser descoberto em 1801. Mede 500 km de raio, e tem forma esférica (vide foto abaixo). Sua gravidade é umas 35 vezes menor que a da Terra assim que uma pessoa de 80 kg sentiria um peso próprio equivalente a apenas 2 kg aproximadamente. É obvio, por outra parte, que una bomba nuclear (ou mesmo termonuclear) não consegue partir o planeta em dois, e que não temos motivos para enviar uma missão tripulada a fazer o que boas sondas teleguiadas poderiam fazer muito bem.




Fotografia de Ceres tomada pelo Hubble Space telescope.


  1. O asteróide de Armageddon é completamente deforme, mais parecido com os pequenos asteróides de dezenas ou centenas de metros que orbitam próximos da Terra.
  2. Os astronautas do filme caminham sobre ele melhor que sobre a Lua.
  3. Numa cena completamente contraditória, para passar por cima do que parece ser um grande cânion enquanto avançam sobre um trator que leva os equipamentos de perfuração, ligam uns foguetes que os elevam da superfície e quase saem em órbita. A idéia é correta porque a velocidade de escape do planetóide é de 500 m/s mais ou menos e um pequeno impulso os pode elevar muito. Mas isto contradiz o resto das cenas onde os astronautas andam como si estivessem na Terra.
  4. O asteróide é precedido e circundado por uma nuvem de pequenos asteróides (que de fato são os que anunciam sua presença). Até donde eu sei, asteróides grandes ou pequenos costumam estar isolados ou formando pequenos grupos. Mas não uma nuvem. Este rasto de pequenos objetos se parece com os traços que deixam os cometas e que dão origem às chuvas de meteoros, e se originam na cauda do cometa. Os asteróides não possuem cauda.
  5. Ceres foi descoberto em 1801 usando um telescópio bastante modesto (dezenas de cm de diâmetro) para nossa tecnologia atual, e a uma distância superior aos 300 milhões de km. Por quê razão não iriamos detecta-lo hoje em dia com telescópios de mais de 8 m de diâmetro? Segundo o filme o asteróide viaja a 35.000 km/h e é detectado 18 dias antes da colisão, quer dizer a uma distância de 15 milhões de km. No filme, o diretor da NASA afirma que apenas 8 telescópios são capazes de observa-lo a essa distância!!??
  6. Como já temos falado em uma entrada anterior, é imprevisível o que pode acontecer se partimos um asteróide utilizando bombas. Embora os militares amam esta solução, os especialistas em mecânica celeste e asteróides em geral, a descartam por ser altamente arriscada.

Segundo a revista Sky & Telescope, o filme teve vários assessores científicos... Provavelmente fizeram seu trabalho conscientemente, mas Hollywood tem suas próprias e poderosas razões. Se eu fosse eles, pediria anonimato...

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Evitando colisões

Na entrada anterior comentamos que é muito perigoso destruir um asteróide para evitar que colisione com a Terra porque os milhares de pedaços continuarão sua trajetória quase inalterada. Se o asteróide é grande, alguns pedaços serão também de tamanho considerável e o perigo não terá sido eliminado. A solução passa por desviar sua órbita. No entanto isto não é simples toda vez que a energia de um asteróide é muito grande e portanto precissaria-se de uma energia muito grande para realizar a deflecção.

Mas pode se aplicar uma pequena pressão sobre o objeto durante um tempo suficientemente prolongado, vários anos, para conseguir o efeito desejado. Essa é a proposta da gente da Fundação B612 da que falamos em uma entrada anterior. A ideia é simples: um pequeno rebocador aplicaria uma força de só 250 gramas durante uns 10 anos. O pequeno empurrão seria suficiente para que a órbita se alterasse de 6700 km, ou seja, o raio da Terra. Desta forma a colisão seria evitada. Resulta interessante ve-lo desde um ponto de vista temporal: a órbita do asteróide deve ser alterada de forma tal a lhe produczir um adiantamento (ou atrasso, segum seja mais conveniente) de apenas 215 segundos, que é o tempo da Terra se deslocar os 6700 km de seu raio. Por outro lado podemos nos perguntar por que uma pressão tão pequena? Os membros de B612 temem que uma força maior possa desarmar a frágil estrutura do asteróide, da qual conhecemos muito poco.

Como pode-se perceber é necessário antecipar em 10 anos pelo menos o asteróide destrutor. Mas isso é justamente o que programas do tipo spaceguard estão fazendo. É necessário também construir um rebocador espacial capaz de exercer a pequena força durante um tempo muito prolongado. Algúm tipo de motor de plasma ou iónico deveria ser usado. Esse tipo de motores não serve para partir do solo terrestre, onde é necessário o contrário: um forte impulso em tempo breve que é fornecido por motores químicos. Motores iónicos já foram provados com sucesso (na nave Deep Space I, por exemplo), embora ainda não chegam na duração necessária para desviar a órbita do asteróide.

Os membros da Fundação B612 acreditam que já possuimos a teconologia para realizar a operação, embora devemos otimizar algúns equipamentos e pensar na melhor forma de realizar a manobra. E por isso buscam financiamento para a realização de um teste até 2015 que demonstre a viabilidade do projeto e além de evidenciar os seus problemas. Precisam de um bilhão de dólares, o que representam um 0,5% do que a NASA pretende gastar em 10 anos. De qualquer maneira o projeto terá interesse científico: acoplar uma sonda ao asteróide durante tanto tempo permitirá conhecer mais sobre o mesmo, o que significa conhecer mais sobre a matéria original que formou o Sistema Solar.