domingo, 24 de agosto de 2008

O olho da fechadura

O deslocamento de um asteróide pelo espaço é modificado pelos objetos que encontra no caminho. Quando passa perto de um planeta sua órbita pode ser alterada de maneira signficativa provocando um segundo encontro anos mais tarde. Nesse caso fala-se de um retorno ressonante. É por esse motivo que a passagem de um NEA perto da Terra desperta um pouco de alarma. Seu primeiro encontro pode ser inofensivo, mas seu retorno pode ser fatal.

Como exemplificam Darío Izzo e colaboradores em artigo publicado na revista Acta Astronómica de 2006, o plano da órbita do asteróide com a Terra em seu centro pode ser visto como um alvo cujo dardo é o próprio NEA. Alguns encontros podem fazer que no retorno ressonante posterior o NEA acerte no centro do alvo, nesse caso terá passado por um Keyhole ou Olho da Fechadura durante sua primeira aproximação. A boa notícia é que os Keyholes são trilhas estreitas. Por exemplo para o célebre Apophis, sua largura para o encontro de 2029 não chega a 1 km. Algo que em termos astronômicos é quase inexistente sobre tudo dada a incerteza que existe sobre sua órbita.

De todo modo existe alguma chance, embora muito pequena, de Apophis entrar no olho da fechadura em 2029 e a seu retorno 7 anos mais tarde, impactar em pleno a Terra seus 20 milhões de toneladas a uma velocidade próxima a 30 km/s criando uma grande catástrofe (embora não acredito que o fim do Mundo). Por esse motivo a previsão de um keyhole é chave, e pode ser utilizada em nosso favor: um NEA precisa ser desviado por apenas alguns kilómetros de sua rota para evitar uma colisão posterior . O sistema Don Quijote idealizado pela Agência Espacial Europeia baseia-se neste princípio. A chave para realizar a operação com precisão está em conhecer os detalhes da órbita do NEA bem como suas características físicas.

Dizem os Evangelhos que um camelo não passa pelo Olho da Fechadura. E um asteróide? Torcemos para que também não.

Dom Quixote

O famoso fidalgo de Miguel de Cervantes Saavedra criado há 400 anos teve innúmeras representações e foi exemplo para infinitas atividades humanas no mundo todo. Sua literalmente quixotesca carga contra os moinhos é agora o modelo para um sistema de proteção da Terra contra NEAs que está sendo desenvolvido pela Agência Espacial Europeia (ESA).

Don Quijote (o nome está em espanhol) é uma sonda experimental que deverá colidir contra um asteróide e desvia-lo de sua rota. Como no caso da Fundação B612 , esta sonda busca demonstrar que o conceito de desvio por colisão é possível, ganhar experiênça, desenvolver técnicas inéditas e conhecer os seus problemas.

Don Quijote estará formado por dois módulos, cujos nomes não podem ser outros que Sancho e Hidalgo. Este segundo é o mísil que dará sobre o asteróide. Para conhecer com precisão a órbita prévia e o momento preciso para realizar a operação assim como os efeitos da mesma, se usará Sancho.




Representação da colisão de Hidalgo contra um asteróide. Sancho, enquanto isso, observa os detalhes. (Fonte: ESA)


Hidalgo pesará uns 500 Kg, entanto que a carga de combustível será de pouco mais de uma tonelada já que sua trajetória será balística, ou seja, aquela que segue um objeto quando lançado sem propulsão. Seu sistema de navegação tendrá uma precisão de 50 m. A maior parte de sua vida útil estará "dormindo", até receber o sinal para se lançar sobre seu obejtivo colidindo-o a uma velocidade relativa de 9 km/s.

Sancho, pelo contrário, realizará uma longa viagem de exploração que durará quase quatro anos, dando três voltas em torno ao Sol, estudando o asteróide que será alvo de Hidalgo; e deixando cair um módulo de análise chamado ASP-DEX ou Autonomous Surface Deployment Engineering eXperiment (Experimento Autónomo de Engenharia para Pouso sobre a Superfície) cuja importância é central para revelar o sucesso do experimento e também para conhecer com melhores detalhes a superfície de um NEA, o que permitirá planejar missões de outro tipo. Uma animação do funcionamiento de um sistema tipo Don Quijote encontra-se neste link.

Don Quijote traz uma solução diametralmente oposta à proposta pela Fundação B612 , porque pretende modificar o trajeto do asteróide por meio de um único golpe perfeitamente calculado que seria capaz de desequilibra-lo o suficiente para evitar sua colisão com a Terra. Sobre ambas as metodologias falaremos em próxima entrada.

Sería bom, no entanto, que o Don Quijote espacial tenga mais éxito que seu ilustre antecessor quando tentou derrubar os gigantes...

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

B 612


Quem leu O Pequeno Principe deve lembrar que ele vivia em um pequeno asteróide que, segundo o relator da história, chamaria-se B 612. Se ainda não leram o romance, é uma boa oportunidade para faze-lo. Se o leram quando eram crianças, como eu, é uma excelente oportunidade para rele-lo (como fiz eu). Neste link podem encontrar uma versão completa com os desenhos originais de Saint-Exupery (em espanhol).

Não é para falar da terna história de Saint-ex que abri esta entrada, mas sobre a Fundação B612, que leva esse nome em lembrança do asteróide do Pequeno Príncipe. A fundação tem un único objetivo: alterar a órbita de um asteróide de forma significativa para 2015. O argumento dos membros do projeto é que até agora medidas de vigilância têm sido realizadas, programas tipo spaceguard, que buscam levantar um cadastro de todos os NEOs e acompanhar seu percurso. Porém até o dia de hoje não existe nenhuma medida testada efetivamente para prevenir o impacto de um NEO con a Terra. Em outras palabras, é como se tivéssemos um aparelho de diagnóstico mas nenhuma medicina para curar... Uma grande decepção.

A história de B612 comenzou quando Piet Hut e Ed Lu do Centro Johnson da NASA (Houston, USA) tomaram a iniciativa de promover a criação de um sistema para desviar NEOs perigosos e chamaram a uma reunião em 20 de outubro de 2001 a outros cientistas e técnicos para discutir possíveis formas de realizar o objetivo. A utilização de bombas nucleares na cabeça de mísseis para fazer explodir o asteróide foi considerada muito arriscada. Pelo el contrário, a melhor opção segundo eles, é usar motores de plasma acionados por um reator nuclear que gerem uma pequena força sobre o asteróide durante um tempo longo (varios anos). E o melhor desta solução segundo os especialistas de B612 é que possuimos a tecnologia. (E esta frase me faz lembrar a série The Six Million Dollar Man...) Só é necessário conseguir os fundos. Para tal função foi criada uma fundação um ano depois, em 7 de outubro de 2002, hoje presidida por Dan Durda que busca arrecadar dinheiro de doadores privados. Por outro lado participa ativamente das discusões políticas sobre temas relacionados com NEOs, como a sessão especial do Congresso americano do dia 8 de novembro de 2007.

Eu espero que tenham sucesso em sua empreitada, só desejo que não testem o método em B612, onde for que ele seja encontrado. Talvez poderiamos destruir o mundo do Pequeno Príncipe sem querer.