quinta-feira, 26 de junho de 2008

Tunguska, a hipótese cometária

Quando Leonid Kulik visitou pela primeira vez, em 1927, o cenário do Evento Tunguska, ficou surpreso ao não achar restos do meteorito que o teria produzido. Não apenas não achou o meteorito, mas também faltava a cratera que devería ter produzido. As sucessivas viagens de exploração não lhe permitiram encontrar mais pistas. Este fato levou a que além de algumas exóticas explicações, como a da entrada de uma quantidade apreciável de antimatéria na atmosfera, ou a passagem de um buraco negro, pouco a pouco fora se formando a ideia de que um objeto extraterrestre ingressou na Terra e explodiu a grande altura. Como os asteróides são bastante resistentes às tensões, a hipótese de que um cometa foi o responsável de Tunguska cobrou força principalmente através da sugestão de Harlow Shapley, um dos maiores astrônomos americanos de sua época†.



Imagem composta do núcleo do cometa Temple obtida pela sonda da NASA Deep Impact no 4 de julho de 2005 enquanto o sobrevoava a 10 km/s. A poerira superficial de 10 cm de espessura aproximadamente está cozinhada dando-lhe uma apariência de rigidez como a de un asteróide. O gelo (ou neve) sujo está por debaixo.


Sabemos que os cometas são basicamente gelo (ou neve) sujo. No entanto sua natureza química é grandemente desconhecida com uma incerteza que vai de 0,1 a 1 g/cm3 na densidade. Este gelo é formado maiormente por água, em menor proporção por monóxido e dióxido de carbono e algo de amónia. O núcleo deve estar cheio de buracos, algo assím como um 20% de seu volume estaría esburacado o que diminui aínda mais sua densidade. O resto é poeira, na forma de metal, principalmente níquel e um pouco menos de ferro. Além do gelo e o metal tem compostos rochosos: óxidos de ferro, de magnésio e de silício. Assím temos o modelo simplificado do núcleo de um cometa formado por 98,4% de gás, 1,1% de gelo, 0,4% de rochas y 0,09% de metais. Os cometas se criaram pela agregação casual de gelo e poeira e sua temperatura interior nunca deve ter ultrapasado os 200 K (73 graus Celsius abaixo de zero), por esse motivo sua matéria primitiva não deve ter sido alterada e de esta forma são a fonte de informação da matéria prima que formou o Sistema Solar. Os cometas orbitam em torno ao Sol com períodos que vão desde algúns anos como o Encke, até algúns séculos. Existem cometas que têm órbitas parabólicas ou hiperbólicas e portanto passam uma única vez para desaparecer de nossa visão. Desde a instalação do telescópio LASCO no satélite de observações solares SoHO, se comprovou que uma grande quantidade de cometas cai no Sol.





Esquema do núcleo de um cometa. Obsérve-se os buracos internos. A superfície do cometa está coberta de poeira cozinhada pelas erupções internas do própio cometa. (Extraído de The Nature of Comets., David Hughes, em Solar System Update, Ed.: Blondel & Mason, Springer, 2006)


Um cometa tem pouca massa. Isso já foi observado por astrônomos no século XVIII ao ver a passagem de um cometa perto do sistema de Júpiter e suas luas sem percibir qualquer perturbação. Além de pouca massa, têm pouca capacidade para suportar deformações e se quebram rapidamente. Isso foi observado ao vivo em julho de 1994 quando o cometa Shoemaker-Levy 9 partiu-se em uns vinte pedaços durante sua queda em direção de Júpiter. Mesmo assim, algúns cometas podem ser suficientemente grandes, como o Halley que mede uns 15 km, e se movimentar a grande velocidade (em torno de 30 o 40 km/s); portanto sua colisão pode ser bastante perigosa.

Assím, a hipótese cometária ganhou força, sobre tudo depois que o astrônomo L'ubor Kresák sugiriu que um troço do cometa Encke caiu na Terra. O cometa, cujo nome oficial é P/Encke, tem um período de apenas 40 meses, a poeira que se desprende dele forma un rastro no céu que, quando atravessado pela Terra, cria uma chuva de estrelas cadentes chamada beta táurides com máximo no 30 de junho. Kresák demonstrou que a direção do bólide que impactou na Sibéria, viria do Sol, o que teria facilitado sua ocultação. O cometa teria entrado à velocidade característica de órbita, de 30 a 40 km/s explodindo em uma fração de segundo na sua entrada à atmosfera e fazendo que a maior parte de sua massa permanecesse a grande altura o que formou uma pluma que atingiu a Europa e, por reflecção da luz solar, iluminou suas noites por vários días até desaparecer.

O modelo, a grosso modo, é o que acabamos de contar. Porém, os detalhes, parecem não encaixar perfeitamente nas evidências observacionais. Sua maior virtude é a explicação da falta de cratera e a possibilidade de ser uma fonte de massa suficiente para provocar as noites brancas em Londres. O problema é que segundo cálculos recentes com métodos mais avançados a fragilidade de um cometa não lhe permitiria chegar nem até os 10 km de altura necessários para justificar a devastação das florestas siberianas em Tunguska, ele teria desaparecido muito antes a uma altura na qual seu dano não tería sido tan severo, assím o interpreta o astrônomo do Caltech, Z. Sekanina. A hipótese cometária segue sendo defendida na atualidade por V. Bronshten da Academia Russa de Ciências e, dada a incerteza nas outras teorías, ela não foi completamente descartada pela comunidade científica.

Na próxima entrega, analizaremos a hipótese meteorítica.

† Harlow Shpaley protagonizou um famosíssimo debate com seu colega Heber Curtis que foi transmitido ao vivo pelo rádio em 1920. O debate centraba-se nos métodos para determinar distâncias, a implicação dos métodos era o tamanho do Universo e em particular se as "nebulosas espirais" são objetos da Vía Láctea ou não. Estas nebulosas espirais são o que hoje chamamos Galáxias. O Grande Debate deu como vencedor a Curtis, cuja conclusão era que as nebulosas pertenecem à Vía Láctea (e o Universo é pequeno). Edwin Hubble, poucos anos depois, acabou com a discusão ao demonstrar que Curtis estava enganado e deu a razão a Shapley. Mais informação (em inglês) na Wikipedia: The Great Debate.

Nenhum comentário: