segunda-feira, 30 de junho de 2008

Tunguska, a hipótese telúrica

Antes de comentar esta teoria sobre o evento que aconteceu em 30 de junho de 1908 em proximidades do rio Podkammenaya Tunguska, região central da Sibéria, quero apresentar a quem é um de seus maiores defensores, Wolfang Kundt, professor da Universidade de Bonn, Alemanha, nascido em 1931 na cidade de Hamburgo. Sua especialidade é a Cosmologia, mas a estendeu posteriormente às Ciências Planetárias, Geofísica e Biofísica e é o autor do livro Astrophysics: A New Approach (Ed. Springer, 2006) . Além destes méritos, é uma pessoa de grande atividade e excelente humor, ao menos assim me pareceu na série de mails que intercambiei com ele nas últimas semanas. O que mais impressiona em Kundt é sua visão independente, a capacidade de ver os fatos com outra perspectiva. Costuma-se dizer que em ciências, mais importante que achar respostas é identificar perguntas. Para isso é necessário ter um olhar diferente. Ao ler Kundt me acontece o mesmo que quando me defronto com os trabalhos de Fred Hoyle, astrônomo inglês que sempre foi uma voz discordante no mundo da astronomia. Se todos pensan igual, ninguém pensa, diz o físico e filantropo marplatense* Pablo Sisterna. Vamos ver como podemos pensar diferente um fato que a comunidade já condenou ser de origem extraterrestre.

A Proposta

Resumimos a proposta de Kundt e depois a justificamos. Em Tunguska, em 1908 não caiu nenhúm meteorito nem cometa mas aconteceu uma ejeção de 10 milhões de toneladas de gás natural, parte do qual entrou em ignição.


As Justificações

A razão mais poderosa para justificar esta teoría é a falta de uma cratera ou de restos do material que formou parte do meteorito apesar de que foram encontrados restos de meteoritos 100.000 vezes menores.

O segundo motivo é estatístico e resulta chamativo que não fora mencionado até agora. Moramos em um planeta tectonicamente ativo. A igual energia liberada existem mais fenômenos tectônicos ou vulcânicos (eu os chamei de telúricos de maneira geral) que extraterrestres. Walter Álvarez, que junto a seu pai Luis, é um dos criadores da teoria de que dinossauros foram destruidos pelas consecuências climáticas da queda de um imenso meteorito, evalúa que apenas 3% das crateras que tem na Terra têm origem em um asteroide.

Se a este argumento probabilístico adicionamos que o epicentro do evento Tunguska está no centro de uma antiga cratera vulcânica, o Kulikovskii, que faz parte do complexo tectónico-vulcánico de Khushminskii e que um grande número de falhas tectônicas atravessa a regiâo, nosso convencimento só aumenta. Naquele dia fatal de 1908, algumas testemunhas relatam ter observado a aparição de buracos no solo com forma de chaminés com diâmetros de até 50 m e um poço de um km de extensão. A primeira expedição de Kulik em 1927 achou estes buracos cheios de água e descreveu a região central da catástrofe como um caldeirão ou anfiteatro.

É provável que os bólides que observaram as testemunhas no céu fossem os gases acessos. Um dos relatos fala em um objeto brilhante caindo durante 10 minutos... leva menos de 10 segundos a passagem de um asteróide. E o calor sentido a 65 km de distância, em Vannavara, provavelmente foi produzido nas intensas chamas que elevaram-se ao céu. Durante as buscas por material remanescente do meteorito encontraram-se anomalias quîmicas que são consistentes com a emisão de gases terrestres, mas não com a presença de matéria de origem cósmica. Em 1999, uma expedição à zona registrou uma ejeção de gás Radônio que durou umas 4 horas nas proximidades do Lago Cheko, a uns 10 km do epicentro do evento de 1908.

As noites brancas de Europa podem ser explicadas pelo Metano expelido que chegou a uma altura de 500 km onde dispersou a luz solar. Um fenômeno semelhante foi observado durante a explosão do vulcão dea ilha de Krakatoa em 1883.

Kundt apresentou estas conclusões em um congresso internacional dedicado ao evento realizado no ano de 2001 em Moscou e em Krasnoyarsk, capital da provincia russa (mais corretamente o krai) de igual nome onde aconteceram os fatos e em uma série de artigos publicados em revistas científicas. Embora a teoria não conta com muitos aderentes, ele me disse que a TV 3SAT alemã preparou um programa especial que foi transmitido na sexta feira 27/06/2008 com uma participação sua. É importante mencionar que ele dá o crédito da ideia a Andrei Olkhovatov, físico russo, hoje em dia trabalhando de forma independente, grande entussiasta da análise do evento, organizador da conferência de 2001 e de uma similar que no momento de escrever estas linhas está terminando.

Tunguska não é um evento qualquer. Junto com a desaparição dos dinossauros pela colisão de um meteorito de grande porte, é o fenômeno mais citado quando se fala do perigo dos NEAs. Faz parte tanto do acervo científico como do inconsciênte coletivo que sustentam políticas públicas como o programa spaceguard da NASA. Talvez estamos dirigindo esforços e dinheiro no objetivo errado. Talvez estamos provocando maior consternação que a necessária a uma população dia a dia mais neurótica. Precisamos encontrar o equilíbrio justo.

† Este é um livro texto para estudantes de astronomia, no entanto em suas páginas finais Kundt adiciona 100 explicações alternativas a problemas da astrofísica atual. Dentre elas questiona que se tenha observado Buraco Negro algúm. No seu último mail me diz que já são 118 as alternativas... Acabei de comprar o livro por Amazon, confesso estar impaciente por recebe-lo.

* Marplatense é o habitante de Mar del Plata, cidade da Província de Buenos Aires, na Argentina. Por sinal, eu cresci lá, embora não conheço pessoalmente a Pablo.

‡ Recém agora tomo conhecimento do trabalho de Olkhovatov. Se em sua leitura encontrar novas consideraciones que sejam importantes as publicarei em um futuro blog.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Tunguska, a hipótese meteorítica

Como já foi comentado anteriormente, a ideia de que em Tunguska caiu um meteorito de grandes dimensões foi a primeira hipótese levantada por Leonid Kulik na década de 1920. Mas como não acharam nem meteoro, nem cratera, foi perdendo fólego e durante décadas se prefiriu pensar em um cometa.

A situação mudou em 1983 quando Z. Sekanina publicou um trabalho muito extenso titulado "The Tunguska Event: no cometary signature in evidence" (O evento Tunguska: sem evidências de um cometa), trabalho publicado na revista Astronomical Journal. A posição de Sekanina é de que um bólide ingressando a 30 ou 40 km/s suportaria presões de mais de 1.000.000 de hectopascais ou aproximadamente mil atmosferas se atingisse a altura de 10 km. Um cometa é mais ou menos um floco de neve gigante, portanto conclui Sekanina, seria impossível, ele teria explodido muito acima do solo e assim sua energia não teria provocado tamanha destruição. Pelo contrário ele utiliza outros eventos registrados para extrapolar qual teria sido a pressão suportada pelo objeto que caiu em Tunguska. Essa pressão, próxima a duzentas atmosferas (200.000 hectopascais) se corresponde com um objeto entrando com uma velocidade de 10 km/s de onde se infere que deveria ter sido um asteróide (os cometas são normalmente mais velozes). Este argumento junto com outros (como a inconsistência da órbita do suposto cometa, ou a massa necessária) o levam a postular de que o TCB (Tunguska Cosmic Body ou Objeto Cósmico de Tunguska) foi um NEA, do grupo dos Apollo, de 90 a 190 m de diâmetro orbitando entre 1 e 1,5 UA.

No entanto, Sekanina postulava um asteróide metálico cuja resistência o teria levado a cair em Terra, fato problemático porque nunca foi achado. Nem seus remanescentes. Assim não foi fácil para a teoria ganhar adeptos. Até que 10 anos depois, Chris Chyba, Paul Thomas e Kevin Zahnle publicaram um artigo na revista Nature: The 1908 Tunguska explosion: atmospheric disruption of a stony asteroid (A explosão de Tunguska em 1908: a ruptura atmosférica de um asteróide rochoso). O argumento central deles é que o NEA que ingresou em Tunguska em 1908 foi um asteroide rochoso, bastante mais rígido que um cometa, mas não tanto quanto um meteorito metálico. Eles desenvolveram uma teoria para calcular como a presão atmosférica teria afectado o asteroide em sua entrada à Terra e concluiram que era perfeitamente possível considerar um objeto rochoso de entre 20 e 30 m de diâmetro, entrando a uma velocidade de entre 15 e 25 km/s que teria sido quebrado, literalmente esmagado, pela presão atmosférica a uma altura de 10 km produzindo uma onda expansiva que liberarou entre 10 e 20 Mtons de energia, exatamente a necessária para derrubar as árvores. Para explicar as noites brancas em Londres, os autores consideram que a onda expansiva lançou grandes quantidades de vapor de água do próprio local aonde a explosão aconteceu para alturas de 50 km . Ali os ventos estratosféricos a teriam transportado milhares de km criando núvens noctilucentes acima de Londres e demais cidades da Europa do Oeste.

O trabalho foi um marco na história de Tunguska e deu uma viarada de timão nas interpretações. Lembro ainda a repercusão quando foi publicado, a revista dedicou um comentário editorial que considerava que era o fim das controversias: Tunguska cai na Terra dizia H. J. Melosh do Laboratório Planetário e Lunar da Universidade de Arizona.

Até certo ponto a conclusão de Chyba e colaboradores é preocupante. Um asteróide de apenas 10 m de diâmetro seria capaz de devastar uma cidade. Lembremos que a energia liberada é 1000 vezes maior que a bomba de Hiroshima. E que o catálogo de NEAs da NASA, ainda incompleto, comporta apenas objetos de 1 km de diâmetro ou mais. Tunguska foi um fargmento minúsculo, impossível de se detectar com antecipação suficiente e que, de ter caido três horas depois, teria atingido a cidade de Moscou como o escritor Arthur Clarke diz no começo de sua obra de ficção científica Cita com Rama (desconheço se foi traduzido ao português ou se tem versão brasileira mas recomendo sua leitura fortemente!) Resulta bastante decepcionante reconhecer que estamos destinados a esperar que a qualquer momento uma pedrinha atinga uma de nosas maiores cidades criando um massacre.

A frequência de ocorrência de eventos tipo Tunguska foi avaliada em 1 a cada 200 a 1.000 anos. Estamos fazendo 100 anos desde a última vez que uma rocha cósmica quase destruiu a capital de um império. Estaremos prestes a testemunhar a desaparição de uma de nossas grandes capitais?

Ou existe uma terceira explicação? Talvez em Tunguska não caiu nada do céu e é por isso é que nada foi achado no solo. A esta derradeira teoria nos dedicaremos na última entrada desta série apaixonante....

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Tunguska, a hipótese cometária

Quando Leonid Kulik visitou pela primeira vez, em 1927, o cenário do Evento Tunguska, ficou surpreso ao não achar restos do meteorito que o teria produzido. Não apenas não achou o meteorito, mas também faltava a cratera que devería ter produzido. As sucessivas viagens de exploração não lhe permitiram encontrar mais pistas. Este fato levou a que além de algumas exóticas explicações, como a da entrada de uma quantidade apreciável de antimatéria na atmosfera, ou a passagem de um buraco negro, pouco a pouco fora se formando a ideia de que um objeto extraterrestre ingressou na Terra e explodiu a grande altura. Como os asteróides são bastante resistentes às tensões, a hipótese de que um cometa foi o responsável de Tunguska cobrou força principalmente através da sugestão de Harlow Shapley, um dos maiores astrônomos americanos de sua época†.



Imagem composta do núcleo do cometa Temple obtida pela sonda da NASA Deep Impact no 4 de julho de 2005 enquanto o sobrevoava a 10 km/s. A poerira superficial de 10 cm de espessura aproximadamente está cozinhada dando-lhe uma apariência de rigidez como a de un asteróide. O gelo (ou neve) sujo está por debaixo.


Sabemos que os cometas são basicamente gelo (ou neve) sujo. No entanto sua natureza química é grandemente desconhecida com uma incerteza que vai de 0,1 a 1 g/cm3 na densidade. Este gelo é formado maiormente por água, em menor proporção por monóxido e dióxido de carbono e algo de amónia. O núcleo deve estar cheio de buracos, algo assím como um 20% de seu volume estaría esburacado o que diminui aínda mais sua densidade. O resto é poeira, na forma de metal, principalmente níquel e um pouco menos de ferro. Além do gelo e o metal tem compostos rochosos: óxidos de ferro, de magnésio e de silício. Assím temos o modelo simplificado do núcleo de um cometa formado por 98,4% de gás, 1,1% de gelo, 0,4% de rochas y 0,09% de metais. Os cometas se criaram pela agregação casual de gelo e poeira e sua temperatura interior nunca deve ter ultrapasado os 200 K (73 graus Celsius abaixo de zero), por esse motivo sua matéria primitiva não deve ter sido alterada e de esta forma são a fonte de informação da matéria prima que formou o Sistema Solar. Os cometas orbitam em torno ao Sol com períodos que vão desde algúns anos como o Encke, até algúns séculos. Existem cometas que têm órbitas parabólicas ou hiperbólicas e portanto passam uma única vez para desaparecer de nossa visão. Desde a instalação do telescópio LASCO no satélite de observações solares SoHO, se comprovou que uma grande quantidade de cometas cai no Sol.





Esquema do núcleo de um cometa. Obsérve-se os buracos internos. A superfície do cometa está coberta de poeira cozinhada pelas erupções internas do própio cometa. (Extraído de The Nature of Comets., David Hughes, em Solar System Update, Ed.: Blondel & Mason, Springer, 2006)


Um cometa tem pouca massa. Isso já foi observado por astrônomos no século XVIII ao ver a passagem de um cometa perto do sistema de Júpiter e suas luas sem percibir qualquer perturbação. Além de pouca massa, têm pouca capacidade para suportar deformações e se quebram rapidamente. Isso foi observado ao vivo em julho de 1994 quando o cometa Shoemaker-Levy 9 partiu-se em uns vinte pedaços durante sua queda em direção de Júpiter. Mesmo assim, algúns cometas podem ser suficientemente grandes, como o Halley que mede uns 15 km, e se movimentar a grande velocidade (em torno de 30 o 40 km/s); portanto sua colisão pode ser bastante perigosa.

Assím, a hipótese cometária ganhou força, sobre tudo depois que o astrônomo L'ubor Kresák sugiriu que um troço do cometa Encke caiu na Terra. O cometa, cujo nome oficial é P/Encke, tem um período de apenas 40 meses, a poeira que se desprende dele forma un rastro no céu que, quando atravessado pela Terra, cria uma chuva de estrelas cadentes chamada beta táurides com máximo no 30 de junho. Kresák demonstrou que a direção do bólide que impactou na Sibéria, viria do Sol, o que teria facilitado sua ocultação. O cometa teria entrado à velocidade característica de órbita, de 30 a 40 km/s explodindo em uma fração de segundo na sua entrada à atmosfera e fazendo que a maior parte de sua massa permanecesse a grande altura o que formou uma pluma que atingiu a Europa e, por reflecção da luz solar, iluminou suas noites por vários días até desaparecer.

O modelo, a grosso modo, é o que acabamos de contar. Porém, os detalhes, parecem não encaixar perfeitamente nas evidências observacionais. Sua maior virtude é a explicação da falta de cratera e a possibilidade de ser uma fonte de massa suficiente para provocar as noites brancas em Londres. O problema é que segundo cálculos recentes com métodos mais avançados a fragilidade de um cometa não lhe permitiria chegar nem até os 10 km de altura necessários para justificar a devastação das florestas siberianas em Tunguska, ele teria desaparecido muito antes a uma altura na qual seu dano não tería sido tan severo, assím o interpreta o astrônomo do Caltech, Z. Sekanina. A hipótese cometária segue sendo defendida na atualidade por V. Bronshten da Academia Russa de Ciências e, dada a incerteza nas outras teorías, ela não foi completamente descartada pela comunidade científica.

Na próxima entrega, analizaremos a hipótese meteorítica.

† Harlow Shpaley protagonizou um famosíssimo debate com seu colega Heber Curtis que foi transmitido ao vivo pelo rádio em 1920. O debate centraba-se nos métodos para determinar distâncias, a implicação dos métodos era o tamanho do Universo e em particular se as "nebulosas espirais" são objetos da Vía Láctea ou não. Estas nebulosas espirais são o que hoje chamamos Galáxias. O Grande Debate deu como vencedor a Curtis, cuja conclusão era que as nebulosas pertenecem à Vía Láctea (e o Universo é pequeno). Edwin Hubble, poucos anos depois, acabou com a discusão ao demonstrar que Curtis estava enganado e deu a razão a Shapley. Mais informação (em inglês) na Wikipedia: The Great Debate.

domingo, 22 de junho de 2008

Tunguska, os testemunhos

A continuação, transcrevo, traduzidos do inglês, algúns testemunhos do Evento Tunguska, obtidos por Leonid Kulik en suas expedições ao local (extraídos do livro Cosmos, de Carl Sagan, Cap IV, Heaven & Hell)
Cedo na manhã, enquanto todos dormiam, a barraca voou pelo ar junto com os seus ocupantes. Ao voltar ao chão, toda a família sofreu contusões leves, mas Alkulina e Ivan perderam o conhecimento. Quando recuperaram consciência escutaram um forte ruido e viram a floresta em torno deles em chamas e a maior parte devastada.
O seguinte relato é mais impressionante e introduz a descrição de um intenso calor, ruidos e fortes ventos.
Estava sentado no porch de minha casa em Vanovara enquanto tomava o café da manhã e olhava em direção norte. Repentinamente o céu se dividiu em dois, e muito acima da floresta o céu inteiro em direção norte parecia coberto de fogo. Nesse momento senti um forte calor, como se minha camisa tivesse pegado fogo. Quis tira-la e lança-la longe de mim, mas nesse momento houve uma explosão no céu e um poderoso trovão foi ouvido. Fui lançado ao chão fora do porch e perdí a consciência. Minha esposa correu e me trouxe para dentro da cabana. O trovão foi seguido por um ruido de pedras caindo, ou armas disparando. A Terra tremeu, e enquanto continuava tirado no chão, protegí minha cabeça porque tive medo que as pedras cairan encima de mim. Quando o céu se abriu, um vento quente, como de um canhão, correu entre as cabanas do norte deixando marcas no chão...
Mais testemunhas que mostran como o medo frente ao desconhecido se apoderou das pessõas:
Os carpinteiros, depois dos dois primeiros trovões, ficaram atônitos, quando um terceiro trovão resoou cairam para atrás desde o prédio sobre os pedaços de madeira. Algúns deles estavam paralizados e totalmente aterrorizados e tive que acalma-los para que recuperassem a confiança. Abandonamos o trabalho e fomos para a aldeia. Ali, grupos completos de aldeãos completamente aterrorizados, tinham se juntado nas ruas e falavam sobre o acontecido.


Floresta devastada pela explosão de 1908. Árvores caídas junto com postes de telégrafos (árvores em pê sem galhos). Fotografia da Academia Russa de Ciências, expedição de 1927 liderada por L. Kulik.


No seguinte relato achamos pela primeira vez uma menção a um objeto no céu

...repentinamente à minha direita escutei o que parecia como um ûnico disparo forte. Vi um objeto alongado em chamas no céu. A parte dianteira era maior que a cauda e sua cor era como fogo em um dia luminoso. Era varias vezes maior que o Sol, mas menos brilhante, por isso podia ser observado a olho nú. Atrás das chamas arrastrava-se uma cauda que parecia poeira formando pequenos flocos, por detrás das chamas extendiam-se feixes de cor azul. Assim que as chamas sumiram, escutaram-se explosões mais fortes que disparos de arma, o chão pareceu tremer e as janelas da cabana quebraram.
O seguinte texto foi extraído da Wikipedia que cita ao jornal Sibir de 2 de julho de 1908.
Em 17 de junho (N.E.: 30 de junho no nosso calendário atual), em torno das 9 da manhã, observamos um fato natural inusual. Na cidade de N Karelinski (200 km ao Norte de Kirensk), os habitantes viram em direção Nordeste bem acima do horizonte, um objeto brilhante azul-branco estranho imposível de ser olhado que por 10 minutos se moveu em direção do chão. O objeto parecia um cilindro. O céu estava completamente aberto, só na direção do objeto via-se uma núvem. O ar estava seco y quente. A medida que o objeto aproximava-se do chão (floresta) parecia ir sumindo até tornar-se uma gigantesca onda de fumaça preta, e ouviu-se um forte golpe (não um trovão) como se grandes pedras estiveram caindo ou a artilharia disparando. Todas as construções tremeram. Ao mesmo tempo a núvem começou a emitir chamas de formas indefinidas. Todos os aldeãos entraram em pânico e sairam às ruas, as mulheres gritavam pensando que era o fin do Mundo. ( O autor destas linhas estava na floresta a 6 km ao Norte de Kirensk e escutou em direção Nordeste um som parecido com a artilheria que se repeteu por intervalos de 15 minutos pelo menos 10 vezes. Em Kirensk, nas paredes que dão para o Nordeste de algumas construções os vidros se quebraram.)
Os relatos anteriores descrevem cinco tipos de fatos: i) ruido seco e forte ii) fumaça, chamas e calor, iii) tremores no chão, iv) um objeto luminoso no céu e v) vento tipo furacão. Em geral o fenômeno todo parece durar em torno de meia hora, só 10 minutos esteve um corpo luminoso caindo. Mais adiante voltaremos a estas descrições e sua interpretação. Por enquanto ficamos refletindo no terror que devem ter sentido aqueles tranquilos camponese no meio das estepas siberianas aonde por não passar, nem passou a guerra e de repente defrontraram-se com o Fim do Mundo.

Além destes relatos, sabemos que a milhares de kilômetros de distância da Sibéria, na Europa Ocidental as noites ficaram claras entre o 29 de junho e o 2 de julho. Testemunhas dizem que os corpos tinham sombra e que dava para ler jornais mesmo a meia noite. Este fenômenos parece ter relação com o evento Tunguska, embora ainda não bem esclarecida.

Em 1921 o mineralogista Leonid Kulik visitou a bacia do rio Podkamennaya Tunguska e provavelmente tomou conhecimento dos relatos da explosão de 1908. Só em 1927 consiguiu reunir um grupo de trabalho e partir para uma expedição ao local. Ele acreditava que um meteorito caiu em solo russo e queria achar seus remanescentes. Para sua surpressa não achou restos do objeto, mas a visão da floresta devastada o estarreceu. Ele voltou mais duas vezes procurando indícios de seu meteorito, mas sem sorte. Em 1938 conseguiu tirar fotos aéreas que mostraram que a área da floresta atingida pela explosão tinha forma de borboleta. Posteriores expedições nos anos 50 obtiveram testemunhos dos habitantes que disseram ter ficado cobertos de furúnculos após a explosão, médicos da expedição corrovoraram que houve uma epidemia de variola. A falta de evidências de um meteorito levou a formular a teoria de que se tratou de um cometa, que por ser menos denso teria desaparecido completamente em uma explosão a grande altura na atmosfera. Esta teoria ficou como a mais aceita até meados dos anos 80 e de fato, esperava-se obter confirmações por meio da análise do material da cauda do cometa Halley em seu retorno em 1986. Ambas teorias têm prós e contras que serão analizados em próximas entradas. Queremos registrar aqui no entanto, a aparição de uma nova ideia que relaciona o evento Tunguska com um fenômeno telúrico, teoria defendida pelo astrofísico Wolfgang Kundt da Universidade de Bonn. Esta última hipótese nos parece muito bem formulada e será objeto de uma entrada também.

Keep Tuned!

domingo, 15 de junho de 2008

Tunguska cem anos depois

Na manhã de 30 de junho de 1908*, na Sibéria Central, perto do vilarejo de Vanavara e próximo do rio Podkamennaya Tunguska (ver aqui um mapa), um evento explosivo dizimou as árvores da estepa em uma área de 2150 km2 (um círculo de uns 50 km de diâmetro) arrancándo-os de suas raízes e lançando-os no chão, objetos e pessõas foram arremessados no ar, chamas foram vistas elevándo-se ao céu, estrondos semelhantes a tiros de canhão foram ouvidos enquanto um objeto luminoso atravessava o céu. As testemunhas relatam um intenso calor sentido a distâncias de mais de 60 km do epicentro do fenômeno. Cem anos depois os cientistas não conseguem chegar a uma conclusão definitiva sobre o que aconteceu naquele dia e que ficou registrado na história como o Evento Tunguska.

Enquanto para uns a discusão centra-se em determinar se tratou-se de um cometa o um asteróide de pequeno tamanho que explodiu na sua entrada à atmosfera, não faltam versõs mais excêntricas como a passagem de um micro buraco negro ou a explosão de uma nave alienígena. O tema chegou à TV da mão dos Arquivos X, que em sua primeira temporada relacionava o evento a uma invasão de ETs. Nos últimos anos a literatura científica apresenta uma teoría completamente diferente, a explosão seria o produto da erupção de gases telúricos, se trataria assim de um fenômeno do tipo vulcânico. A correta descrição do que aconteceu na Tunguska em 1908 é determinante para prever corretamente as probabilidades de uma nova colisión con um NEO de porte médio.


Provavelmente o maior obstáculo para consegui-lo é a falta de diagnósticos confiavéis e o passo do tempo só agrava a situação. O evento aconteceu em uma região muito isolada do mundo, coberta de neve durante grande parte do ano, as chuvas do verão convertem as planícies em pântanos cheios de mosquitos. O momento histórico também não ajudou. Em 1908 o Czar Nicolás II tinha outras preocupações maiores do que dar importância à queda de um objeto no centro de seu império. Um comerciante chamado Suzdalev chegou em 1910 e depois de percorrer a zona pediu aos habitantes de guardar silêncio. Os problemas políticos da Rússia czarista, a Primeira Guerra Mundial, a revolução bolchevique, fizeram que as investigações se retrasaram indefinidamente. Só em 1927, quase 20 anos depois, se armou a primeira expedição científica liderada por Leonid Kulik, quem, além de buscar restos do supusto meteorito, colheu as testemunhas dos que presenciaram os fatos.

A importância que tem o evento Tunguska, o fato de estar fazendo agora 100 anos, são méritos suficientes para que lhe dediquemos um espâcio maior neste blog. Por esse motivo usaremos várias entradas para contar os detalhes, incluindo as testemunhas, e revendo as diferentes teorias.

Tunguska é um marco na história da Humanidade e como tal será considerado aqui.

* No calendário juliano, em uso ainda na monarquia russa, era o dia 17 de junho.